Por Arthur Coelho Bezerra
As manifestações estudantis contra o bloqueio de verbas para a educação, que tomaram as ruas de mais de 200 cidades brasileiras na semana passada, foram avaliadas pelo presidente Jair Bolsonaro como um movimento composto, em sua maioria, por “idiotas úteis” que “não têm nada na cabeça”. Durante a campanha presidencial, no ano passado, Bolsonaro já havia declarado que “ninguém quer saber de jovem com senso crítico”. Seu programa de governo define, como um dos objetivos para a educação brasileira, “expurgar a filosofia freireana das escolas”, fazendo referência às ideias e à proposta pedagógica do educador Paulo Freire.
Patrono da educação do país desde 2012 e um dos escritores brasileiros mais lidos no mundo, Freire tornou-se alvo do governo justamente por estimular o pensamento crítico, condenado por Bolsonaro. Mas do que se trata esse tal pensamento crítico e por que motivos ele incomoda tanto o governo?
A mais recente edição da revista Em Questão, periódico científico da área de Ciência da Informação, traz um artigo em que Arthur Bezerra e Aneli Beloni, integrantes do Escritos, analisam os sentidos do termo “crítica”, conforme seu uso em 30 artigos que tratam do conceito de competência em informação (information literacy). Segundo autor e autora, a etimologia da palavra, oriunda do grego kritikos (κριτικός), remonta à antiguidade clássica e, em termos gerais, caracteriza a capacidade intelectual de julgamento e discernimento. Séculos mais tarde, tal capacidade de julgamento se tornaria central para a filosofia moderna alemã, a partir do pensamento de Kant e, posteriormente, de Hegel, Marx e Engels.
Em meados do século XX, a expressão “teoria crítica” passa a ser usada por filósofos da chamada Escola de Frankfurt para definir uma proposta teórica voltada para a análise das contradições sociais e para a identificação dos obstáculos à emancipação dos indivíduos, servindo, nas palavras de Horkheimer, como um fator que “estimula e transforma”.
Conforme a pesquisa de Bezerra e Beloni revela, apesar de serem raras as referências a obras da tradição filosófica crítica nos 30 artigos analisados, surpreende a presença de citações à obra de Paulo Freire, especialmente nos textos dedicados à chamada competência crítica em informação (critical information literacy). Através de sua pedagogia crítica, Freire fornece um diagnóstico das contradições presentes na educação brasileira e aponta os obstáculos que o projeto de uma “educação bancária” (ou seja, a mera transferência do conhecimento de professores e professoras para estudantes) impõem para que tal sistema atue como força motriz para a emancipação popular.
Seguindo os preceitos da teoria crítica, Freire também se engaja na práxis transformadora, desenvolvendo um método próprio de alfabetização centrado na realidade dos educandos. Em seu mais conhecido livro, A Pedagogia do Oprimido, o educador escreve: “se os homens são produtores desta realidade e se esta, na inversão da práxis, se volta sobre eles e os condiciona, transformar a realidade opressora é tarefa histórica, é tarefa dos homens”. Não há dúvidas de que é esse ímpeto questionador e transformador, inerente ao pensamento crítico, que tanto incomoda.
Link para o artigo publicado na Em Questão: https://seer.ufrgs.
Publicado em 23 de maio de 2019.