Nesta quarta (3/7): 2º Seminário de Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social

Nesta quarta (3/7), Fábio Vasconcellos, professor da ESPM e da UERJ; Cecília Olliveira, jornalista do The Intercept Brasil e criadora da plataforma de dados sobre violência armada Fogo Cruzado, e Chico Marés, checador e produtor de conteúdo da Agência Lupa, participam do 2º Seminário de Estudos Críticos em Informação, Tecnologia e Organização Social, com o tema "A dimensão ética do jornalismo de dados".

O encontro, organizado pelo grupo de pesquisa Escritos, tem entrada gratuita e acontece a partir das 14h, no Auditório Ministro João Alberto Lins e Barros (Prédio do CBPF, Rua Lauro Muller 455 - Botafogo, Rio de Janeiro). A programação completa do seminário e o link para inscrição estão em: https://bit.ly/2Y8aCzM.

Convidamos, na entrevista abaixo, cada um dos três palestrantes a comentar alguns aspectos que pretendem abordar no evento, quanto ao uso ético de informações no jornalismo de dados. Confira!

Por Ana Lúcia Borges e Talita Figueiredo

Quais as potenciais contribuições do jornalismo de dados para a sociedade e quais os desafios éticos que devem ser considerados para que isso se concretize?

Fábio Vasconcellos: As contribuições são o seu caráter pedagógico, ajudar o público a entender e lidar melhor com conteúdo baseado em dados, desmentir ou reafirmar o senso comum sobre determinados fenômenos. Por exemplo, uma massa de dados e uma análise bem feita podem indicar que o senso comum sobre determinado fenômeno está completamente equivocado. Isso é um ganho fantástico para a sociedade. Pode ajudar a combater preconceito, desconhecimento, melhorar políticas públicas, obrigar o poder público a tomar medidas etc. Em um mundo permeado por dados chega a ser gritante que alguns veículos tenham aberto mão dessa prática. 

Há inúmeros desafios do ponto de vista ético, e eles nascem na decisão da pauta. Nem sempre uma pauta tem base de dados para ser analisada, e nem sempre uma base de dados tem a priori uma pauta. Estar aberto a essas dificuldades é desafiante porque muitas vezes é frustrante mesmo. Você pode ter uma excelente pauta, mas simplesmente não existem dados disponíveis para você ir adiante. Outras vezes, e isso demanda muitas horas de pesquisas, você fica caçando bases de dados interessantes. Você não tem pergunta alguma na cabeça, mas a sua análise da base acaba despertando perguntas, encontrando achados, etc. Tudo isso envolve escolhas, e, se envolve escolhas, envolve aspectos éticos: quais perguntas farei e quais, por desconhecimento, talvez, não farei? Há perguntas que desmentem o senso comum ou a linha editorial do seu veículo? Se desmentem, mantemos a pauta e análise ou mudamos de assunto? Qual o nível de abertura e independência que o grupo de jornalistas de dados de uma grande corporação tem para tocar suas análises? Se determinada relação entre os dados indica uma direção, mas testes estatísticos podem indicar que essa direção não é suficiente para fazermos determinadas afirmações, o que fazer? Enfim, o jornalismo de dados, bem como as outras atividades que lidam com o público, envolve sempre aspectos éticos, escolhas, e, acho, elas devem ser pautadas sempre em novo do interesse público.

Cecília Olliveira: A tecnologia e a ciência aliadas ao jornalismo nos permitem ter matérias com informações mais completas, que podem embasar tanto o factual como investigações. São importantes para informar melhor o público, influenciar decisões políticas e também pressionar gestores. Ou seja, vitais para a democracia. 

Os desafios são a formação dos profissionais e a contratação de pessoas qualificadas para as redações. E como formação, entende-se não apenas a formação técnica do jornalista, mas sua formação como pessoa num momento em que estudos de ciências, filosofia, sociologia estão sob cortes e ataques deliberados. Isso certamente afetará o jornalismo, e, por consequência, o desenvolvimento democrático do país. 

Chico Marés: As tecnologias do final do século 20 e do início do século 21 permitiram que a realidade fosse cada vez mais metrificada. Há, ao mesmo tempo, uma disposição de se coletar e organizar dados que auxiliam na explicação da nossa realidade, a capacidade tecnológica de se distribuir conjuntos grandes de informação com relativa facilidade e baixíssimo custo, e uma cada vez mais arraigada crença política de que tornar os dados públicos disponíveis aos cidadãos é um dever das instituições públicas.

O jornalismo ganha muito com isso. Essa profusão de informações permite análises mais precisas de políticas públicas, e permite o aprofundamento de diversas pautas relevantes. Sendo assim, o jornalista tem mais condições de oferecer ao seu leitor um retrato mais preciso e mais fiel da realidade.

Na nossa prática diária, isso é evidente. No passado, se um determinado político dissesse que seu estado é o que mais gasta com educação, por exemplo, seria necessário um trabalho hercúleo, que talvez demorasse meses, para comprovar essa afirmação. Hoje, é possível fazer essa verificação, quando muito, em uma tarde de trabalho.

Como toda a tecnologia utilizada pelo jornalismo, ao mesmo tempo que essa profusão de dados traz possibilidades imensas, o mau uso dos dados, seja de forma deliberadamente antiética ou não, pode trazer problemas. O uso de falsas correlações, as distorções causadas pela falta de perspectiva de determinadas séries históricas ou mesmo a falsificação pura e simples de informações são realidades com as quais o jornalismo de hoje convive.

Além disso, muitas vezes há uma certa dissonância entre o que é escrito e o que é de fato compreendido pelo público, visto que muitos jornalistas tendem a superestimar a compreensão do leitor de informações que, por sua própria natureza, são bastante abstratas.

Mas há vacinas para esses males, como a transparência e a contextualização. Sob qualquer ponto de vista, a existência de mais dados e mais informações pública é algo extremamente positivo para a sociedade e para o jornalista.

Publicado em 1º de julho de 2019.