Desafio Momo alerta para os perigos na "maior praça pública do mundo"


Por Talita Figueiredo

 

O rosto de uma mulher de olhos esbugalhados, sorriso macabro e cabelo desgrenhado sobre pés de galinha. Momo, obra de arte do artista japonês Keisuke Aisawa, exposta em Tóquio em 2016, é uma representação assustadora de algo que pode estar apenas no imaginário coletivo, mas que traz um alerta aos pais: você sabe o que seu filho acessa quando está conectado? 

No último mês, espalhou-se a notícia de que imagens de Momo estariam aparecendo em vídeos do Youtube Kids (de confecção de slimes e da música Baby Shark) propagando mensagens violentas. O caso ganhou repercussão com a revelação de uma mãe a uma revista, mas primeiras informações a respeito do chamado Desafio Momo sugiram no ano passado em um viral que se espalhou para diversos países. À época, por meio de perfis no WhatsApp, a personagem ameaçava usuários, estimulava a automutilação e até o suicídio. Com a volta da ameaça virtual, pais se desesperaram em trocas de mensagens nos grupos de escola, gerando aumento exponencial de buscas pelo assunto e ampliando a propagação do tema, que figurou nos trending topics do Google.

Rodrigo Nejm, diretor de Educação do Safernet, associação civil de direito privado que atua na promoção da defesa dos Direitos Humanos na Internet no Brasil, alerta que as buscas dos pais aumentam a chance de as crianças se depararem com a imagem de Mom. Para Nejm, a internet é "a maior praça pública do mundo", onde a criança pode ter acesso a coisas boas, mas outras inapropriadas. "Se a criança não vai à escola sozinha, não brinca na pracinha desacompanhada, por que ela teria acesso à rede sozinha? Cabe ao adulto fazer a mediação do acesso de acordo com a maturidade da criança", argumenta. É preciso trazer para o mundo virtual, defende Nejm, a preocupação que se tem no mundo real. A Safernet divulgou nota sobre o Desafio Momo no ano passado e atualizou o texto na última semana, depois das novas denúncias. O Ministério Público da Bahia instaurou inquérito e acionou o Youtube para que tome as medidas preventivas necessárias. Em nota no Twitter, o Youtube afirmou não ter encontrado nenhum vídeo que promova o desafio Momo e recomendou que qualquer um que tenha acesso ao conteúdo denuncie.  

Abaixo trechos da entrevista que o Escritos fez com Rodrigo Nejm.

Escritos: Que tipo de denúncia o Safernet recebeu a respeito do recente caso do desafio Momo? 

Rodrigo Nejm: Não recebemos nenhuma denúncia de que alguém efetivamente viu a imagem da Momo em vídeos do Youtube, mas emitimos nota oficial por conta da grande procura de jornalistas em busca de uma investigação mais profunda do que os que quiseram apenas registrar a suposta ocorrência. Na verdade, o que aconteceu foi um pânico geral, uma histeria coletiva, a partir de uma reportagem com apenas uma família citando um caso. Isto gerou uma corrente de supostas ocorrências. Ninguém até hoje conseguiu encontrar um vídeo no Youtube ou outra plataforma da web, mas o conteúdo circulou amplamente no WhatsApp a partir dos questionamentos dos próprios pais, sobre se o fato era verdadeiro. O que aconteceu é na verdade um efeito colateral danoso de um pânico criado por meio da ampliação desses compartilhamentos. O que poderia ter sido classificado com um boato se tornou um fenômeno de desinformação.

Escritos: Como a divulgação desse conteúdo amplia o problema?

Rodrigo Nejm: Além de várias reportagens em diferentes plataformas, constatamos que vários canais do Youtube, por exemplo, estavam pautando o assunto. Assim o fenômeno passou a existir. E, claro, a partir daí, oportunistas passaram a querer surfar nesta onda com roubo de dados pessoais. Não temos notícias de que houve algo organizado. 

Escritos: Vocês chamam de campanha de desinformação. Por quê?

Rodrigo Nejm: Criou-se um problema verdadeiro onde havia um problema não verificado. Muitas crianças passaram a ter contato com a imagem de Momo porque os próprios pais compartilhavam vídeos que encontravam na internet. Em muitos casos, os vídeos compartilhados pelo WhatsApp não são apagados do celular e as crianças podem ter acesso a esse conteúdo no aparelho do próprio pai ou mãe. Defendemos que, de um lado, a imprensa precisa ter mais cautela na apuração para não gerar pânico e, de outro, que os pais não façam buscas sobre o assunto e não repliquem nada sobre o desafio Momo para não torná-lo mais relevante ainda. Os pais devem também apagar todos os vídeos sobre o caso de seus aparelhos, para não correr o risco de os filhos acessarem.

Escritos: Sendo um boato ou histeria coletiva, os pais devem tratar do assunto com as crianças?

Rodrigo Nejm: Como o pânico já está instalado e as crianças conversam entre si, é bom abordar o tema em casa. Dependendo da idade da criança, é melhor não mostrar fotos, nem vídeos. Destaco ser preciso ter uma relação de confiança com a criança, pedindo para que, caso tenha acesso a algo assustador ou estranho, possa contar aos pais. Isso deve ser feito independentemente do desafio Momo. Os pais não podem achar que a criança no tablet está protegida, porque está longe dos perigos da rua. 

Escritos: É preciso proibir o acesso?

Rodrigo Nejm: Para algumas idades sim. Há estudos que mostram que o acesso a telas antes dos dois anos afeta a cognição, mas não estou dizendo que devem todos sair da internet. É necessário, no entanto, reconhecer a dimensão pública da rede, onde há todo tipo de conteúdo, inclusive impróprio. Por isso, cabe acompanhar o acesso à internet. Se o responsável não tiver tempo, pode baixar o conteúdo que é educativo e voltado para a criança em uma playlist para que ela assista offline os vídeos que você aprovou, criando uma espécie de "pracinha digital". O que não podemos é  deixar a criança sozinha na rede de jeito nenhum. Temos que trazer para a internet os cuidados que temos no acesso da criança ao mundo. A gente supõe que elas dominam a tecnologias. Mas elas não dominam o mais importante: a capacidade crítica, o discernimento e a maturidade.

Leia aqui a nota da Safernet sobre Momo.

Publicado em 1 de abril de 2019.