Alfabetização informacional e midiática, crítica e ciência

Por Andréa Doyle

As cinco leis da Alfabetização Midiática e Informacional (AMI) são um recurso político-pedagógico desenvolvido pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) para divulgar a preocupação em torno da AMI. Trata-se de um ‘resumo’ do que se entende mundialmente como media and information literacy1, que, nos termos da Unesco, significa:

"A alfabetização midiática e informacional (AMI) reúne a alfabetização informacional e a midiática, além das tecnologias da informação e comunicação (TIC) e a alfabetização digital, como novo construto da alfabetização que ajuda a empoderar pessoas, e também permite que comunidades e nações participem e contribuam para as sociedades do conhecimento globais".  (UNESCO, 2016, p. 17)

O ensaio intitulado “Analyzing the Laws of MIL: a 5-step scientific conversation on critical information literacy”, recém-publicado pelo periódico estadunidense Communications in Information Literacy,  é uma reflexão, em cinco partes, que aborda: toda a experiência de leitura crítica dessas leis (a partir do referencial teórico dos estudos de competência crítica em informação); a aprovação do trabalho para participação no congresso mundial da Unesco; a conversa científica sobre o trabalho no congresso; um retorno às cinco leis da Biblioteconomia do matemático e bibliotecário indiano Shiyali Ramamritam Ranganhathan (que inspiraram as cinco leis da MIL e a divisão do próprio trabalho em cinco partes); e os desdobramentos da experiência no Brasil.

As críticas às leis partem da análise de discurso e questionam algumas noções, especialmente a impossibilidade de neutralidade da informação (que é socialmente construída, logo contextual) e de completude do letramento (que se desenvolve ao longo da vida). Além disso, o texto inicial levanta considerações sobre o binarismo da linguagem de gênero e as suposições sobre as vontades das pessoas.

O segundo momento é marcado pelas eleições presidenciais de 2018, que colocaram completamente em perspectiva o interesse de uma crítica incremental, de cientistas para cientistas, diante da ameaça global à democracia. O terceiro momento é o debate acadêmico sobre o trabalho, que leva a uma quarta fase, de retorno às leis do Ranganathan para repensar o todo.

A última parte do trabalho contextualiza e amplia algumas questões, além de reportar os desdobramentos da pesquisa no micro-universo do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação (PPGCI/IBICT-UFRJ). Nas considerações finais, pergunta-se se não é preciso abraçar esse tipo de ensaio/processo/método, ou seja, expor os contextos e vieses das pesquisas ao invés de escondê-los debaixo de uma pseudo-objetividade inatingível.

Ironicamente, o artigo é disponibilizado no mesmo momento em que um novo exercício de competência crítica em infomação, dessa vez sobre a desinformação em torno do desmatamento da Amazônia, é publicado. De novo, a discussão sobre a solidez dos dados, sobre a atualidade das notícias e sobre a reação das plateias parece inócua diante da quantidade de vida que está sendo, literalmente, queimada.

Como diz Greta Thunberg, a adolescente que faz greve toda sexta-feira em nome do planeta, não adianta estudar e se preparar para um futuro que não vai existir. Ela afirma que, se nossas casas estivessem queimando, não diríamos que as coisas estão sob controle. A conclusão da matéria sobre a Amazônia, citada acima, é uma piada absurda: tomara que os terraplanistas estejam certos e a mudança climática seja um mito. Senão, estamos chegando ao fim do mundo...

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1 Em português esses termos têm diversas traduções, sendo as mais comuns: competência em informação, alfabetização informacional e midiática, letramento digital, infoeducação. As semelhanças e particularidades desses termos são tratadas no próprio documento, que pretende unificá-los dentro desse grande ‘guarda-chuva’ conceitual.

 

Publicada em 29 de agosto de 2019.